Dom Pedro Casaldáliga e os latifundiários
Lucas
Kocci
Il
Manifesto
Adital
- 07.01.13 -
Brasil
"O
ambiente está mais tranquilo e a luta pelo Reino continua", escreve
Casaldáliga
"Passei
algumas semanas afastado do correio devido a situação de conflito e ameaças que
estamos vivendo. Agora o ambiente se tranquilizou um pouco mais e a luta pelo
Reino continua", escreve D. Pedro Casaldáliga, ao editor do seu livro, recém
publicado na Espanha, "Los cinco minutos de Pedro
Casaldáliga".
A
informação é publicada por Religión Digital, 06-01-2013.
Comentando
o livro, ele se diz surpreendido. "Eu mesmo fiquei surpreendido ao me ler e
'espantado' por estar no meio desta lista de figuras começando nada menos pelo
Espírito Santo. Aqui me cabe repetir um pequeno poema oportuno: "Que minha
palavra não seja mais que a minha vida", que nossa palavra seja a verdade do
testemunho".
*******************
Dom Pedro Casaldáliga e os latifundiários
A
reportagem é de Lucas Kocci, publicada no jornal Il Manifesto, 03-01-2013. A
tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ele
tivera que se afastar no início de dezembro, por causa das ameaças contra ele
por parte dos latifundiários, dos quais uma ordem do Supremo Tribunal está
subtraindo milhares de hectares de terras, ocupadas ilegalmente há anos, para
restituí-las aos seus legítimos proprietários, os índios do povo Xavante, desde
sempre defendidos e apoiados por Casaldáliga.
No
último período, as intimidações haviam se tornado cada vez mais insistentes e
perigosas: "O bispo não verá o fim de semana", teriam dito durante uma reunião
dos fazendeiros. E assim, o governo federal preferiu proteger o idoso religioso
de 85 anos, que sofre de Parkinson, até que a tensão tivesse
acalmado.
Os
latifundiários acusam o bispo de ser o "inspirador" da sentença do Tribunal e de
ter a responsabilidade pela demarcação da terra, situada entre os municípios de
São Félix do Araguaia e Alto da Boa Vista, no norte do Mato Grosso, que agora as
autoridades estão devolvendo aos índios.
"Pedro
está bem", mas está muito perturbado "com tudo o que está acontecendo", informa
quem o acompanhou durante o afastamento desejado pelas autoridades. "Plena
solidariedade" ao bispo que, "desde que pôs os pés na terra do Araguaia,
trabalha em defesa dos interesses dos pobres, dos povos indígenas, dos
agricultores e dos trabalhadores" foi expressa pelo Conselho Indigenista
Missionário (Cimi).
E
a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados do Brasil apresentou uma
moção de apoio a Casaldáliga: "Diante das novas ameaças por causa de seu
corajoso trabalho de solidariedade para com os povos indígenas e os
trabalhadores da terra", a Comissão expressou "seu mais firme apoio ao Bispo
Casaldáliga, um humanista que enche de orgulho o Brasil e a todos aqueles que
trabalham em prol dos direitos humanos".
Na
Europa, quem tomou a palavra foi o Movimento Internacional Nós Somos Igreja,
expressando "profunda preocupação com as ameaças de morte contra Dom Pedro
Casaldáliga e a sua equipe pastoral".
Desde
os anos 1960 – informa a agência Adista, entre os pouquíssimos órgãos de
informação que divulgaram a notícia na Itália –, com a chegada de empresas
ligadas ao agronegócio, os índios xavante foram expulsos do seu território,
invadido pelos latifundiários, que também levaram muitos agricultores a ocupar
algumas áreas, de modo a turvar as águas e camuflar os seus próprios interesses,
opondo pobres a outros pobres: os xavante contra os agricultores enganados e
manipulados.
Mas,
para ambos, Casaldáliga, que não caiu na armadilha da "guerra entre pobres",
sempre pediu a atribuição das terras da reforma agrária. "O despejo prossegue
velozmente", declarou o bispo ao portal espanhol Religión Digital, assim que
voltou para casa. "Entre tensões e esperanças, tentamos fortalecer a comunhão
entre os povos".
Intimidações
e ameaças não são novidade para Casaldáliga, que, catalão de nascimento, desde
que chegou ao Brasil em 1968 como missionário claretiano, está na lista negra da
ditadura militar (1964-1984), primeiro, e dos latifundiários, depois: em outubro
de 1976, enquanto exigia em um quartel a libertação de dois agricultores
suspeitos de colaborar com os opositores da junta militar, um policial atirou
contra ele e matou o jesuíta João Bosco, que lhe serviu de escudo com o seu
corpo (poucos dias depois, o quartel foi atacado por agricultores que o
destruíram, libertando os seus companheiros); e em 1993 a Anistia Internacional
denunciou que os latifundiários haviam contratado um assassino para matá-lo,
porque também à época ele defendia a terra dos xavante.
Casaldáliga
sempre esteve debaixo de fogo – como também estiveram os "bispos do povo" Helder
Câmara e Oscar Romero, morto por assassinos do regime militar salvadorenho em
1980 –, porque, assim que chegou ao Brasil dos generais, apoiou e contribuiu com
a recém-nascida Teologia da Libertação (que queria encarnar o Evangelho na
concretude das condições de opressão dos pobres da América Latina, esmagados
pelas ditaduras e pelo capitalismo) e, acima de tudo, se inclina ao lado dos
agricultores e dos índios, que cada vez mais são expulsos das suas terras pelas
grandes empresas agroalimentares.
Paulo
VI, que havia acabado de escrever a Populorum Progressio – em que também se
afirma o direito dos povos a se rebelar até com a força contra um regime
opressor –, indicou-o como bispo de São Félix do Araguaia. Casaldáliga está
incerto, optou pelos pobres, não para o palácio, e assim convocou a sua
comunidade, os religiosos, mas também os leigos, e deixou que fossem eles que
decidissem, em um processo não previsto de "democracia participativa".
Eles
lhe deram a permissão e, em agosto de 1971, foi consagrado bispo. Logo abandonou
os traços distintivos do poder episcopal: a mitra seria um chapéu de palha dos
agricultores; o báculo, um bastão de madeira dos tapirapé, um grupo indígena do
Mato Grosso; o anel, não de ouro, mas sim de tucum, usado pelos escravos e, na
teologia da libertação, símbolo da união entre a Igreja e os pobres.
Rejeitou
os edifícios curiais, escolheu os oprimidos e escreveu a sua primeira carta
pastoral, Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização
social, uma lucidíssima análise dos perversos mecanismos do capitalismo que
deixaria uma marca profunda na Igreja e na sociedade brasileira, antecipando a
criação da Comissão Pastoral da Terra.
A
partir daquele momento, Casaldáliga (e seus colaboradores mais próximos) se
tornará um "vigiado especial" da ditadura e dos latifundiários, objeto de
intimidações, ameaças e ordens de expulsão, permanecendo sempre ao lado dos
pobres, misturando Evangelho, paixão pela justiça e poesia, que ele mesmo
compôs. Textos de profunda religiosidade e humanidade: "Deus nos livre de leigos
com batinas no espírito / Deus nos livre de padres sem Espírito Santo / Deus nos
livre de espíritos sem a carne da vida" (em "Fogo e cinzas ao
vento”).
E
de intenso amor revolucionário, como o Canto pela Morte de Che Guevara:
"Descansa em paz. E aguarda, já seguro, / com o peito curado / da asma do
cansaço; / limpo de ódio o olhar agonizante; / sem mais armas, amigo, / que a
espada despida de tua morte. / Nem os 'bons' - de um lado –, / nem os 'maus' -
do outro –, / entenderão meu canto. / Dirão que sou apenas um poeta. / Pensarão
que a moda me ganhou. / Recordarão que sou um padre 'novo'. / Nada disso me
importa! / Somos amigos / e falo contigo agora / através da morte que nos une; /
estendendo-te um ramo de esperança, / todo um bosque florido / de
ibero-americanos jacarandás perenes, / querido Che
Guevara!".
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Caixa Postal 131 - CEP 60.001-970 - Fortaleza - Ceará - Brasil
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