O homem trancou a porteira como se ainda pudesse voltar,
ajeitou o boné, pegou a sacola, a mão da mulher e caminhou até a estrada. A vida
tinha que melhorar.
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De nada adiantava prender-se a terra que não era sua,
nem lamentar a perda da pequena criação. Era também carpinteiro, arranjaria
emprego na cidade grande. A terra mudara de dono. José precisava sair. A estrada
asfaltada trazia esperança. Tão grande esperança, que venceram a confusão da
rodoviária e chegaram a casa de João, que viera primeiro, preparar o caminho.
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Tão grande a alegria do encontro que não estranharam a
falta da horta, a falta do leite, a falta de água. Manhã cedo o homem saiu a
procura de emprego. Referencia? Nenhuma. José aprendeu a dura lição: sem
referência como conseguir emprego? Sem emprego anterior, que
referência?
Maria também aprendeu o quanto valia sua vida na cidade:
olhavam-na de alto a baixo e sacudiam a cabeça.
Grávida...
Empobrecidos, mudaram de aspecto. Enquanto José, que
antes plantava o que comia, agora boia-fria, auxiliar de pedreiro, Maria, mulher
prestativa, ajudava a vizinhança. Jovem muito calada, na fila da bica d’água,
prestava muita atenção. Em tanta coisa inconformada, sem nada poder fazer,
guardava o que não entendia dentro do seu coração.
Chegando sua hora, foi parir o filho em segurança no
hospital. No primeiro, a placa avisava: “em greve”. Em outro, ouviram a frase:
“não há lugar”. Andaram quietos no meio da frenética barulheira, pessoas
afobadas abraçando embrulhos enfeitados, árvores que piscavam colorido, música
estridente nas lojas que aos poucos se fechavam.
Maria caminhava cada vez mais devagar. José chamou um
menino que andava na rua: onde é que tu moras? O menino disse: “Vem e vê”.
Levou-os a uma espécie de gruta formada no vão de um túnel. “É aqui. Podem
ficar”.
José procurou jornais jogados nos cantos, preparando um
lugar para a mulher. Os ônibus passavam por cima e pelos lados. Maria alisou o
ventre querendo proteger o filhinho. Sentiu a vida palpitando, sentiu que ia dar
à luz... Fosse onde fosse, do jeito que fosse. A vida dentro dela queria sair
para o mundo. Com sua força de mulher, no fundo do túnel, Maria deu à
luz.
Quem passava apressado não viu.
Quem andava de carro não viu.
Quem cantava na igreja não viu.
Mas os meninos e meninas que vivem na rua acorreram
alegres e viram o menino envolto em panos, reclinado sobre
jornais.
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Naquele instante, todas as luzes dos shoppings
brilhavam, todos os sinos de todas as igrejas badalavam, as pessoas sorriam e se
abraçavam, as crianças que moram em casas ganhavam lindos presentes, pessoas
cantavam, outras choravam.
Mas não viram aquele menino.
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No dia seguinte, entre o balanço das festas, custos,
perdas e lucros, saiu a noticia que a poucos comoveu: “... na noite de Natal,
no fim do túnel uma mulher deu à luz um menino. O pai se chama José. A jovem
mulher Maria. O nome do menino ninguém ficou
sabendo...”
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