1. No início de um novo ano, que acolhemos como uma graça e um dom de
Deus para a humanidade, desejo dirigir, a cada homem e mulher, bem como a
todos os povos e nações do mundo, aos chefes de Estado e de Governo e aos
responsáveis das várias religiões, os meus ardentes votos de paz, que
acompanho com a minha oração a fim de que cessem as guerras, os conflitos e
os inúmeros sofrimentos provocados quer pela mão do homem quer por velhas e
novas epidemias e pelos efeitos devastadores das calamidades naturais.
Rezo de modo particular para que,
respondendo à nossa vocação comum de colaborar com Deus e com todas as
pessoas de boa vontade para a promoção da concórdia e da paz no mundo,
saibamos resistir à tentação de nos comportarmos de forma não digna da nossa
humanidade.
As múltiplas faces da escravatura, ontem e hoje
3. Desde
tempos imemoriais, as diferentes sociedades humanas conhecem o fenômeno da
sujeição do homem pelo homem. Houve períodos na história da humanidade em que
a instituição da escravatura era geralmente admitida e regulamentada pelo
direito. Este estabelecia quem nascia livre e quem, pelo contrário, nascia
escravo, bem como as condições em que a pessoa, nascida livre, podia perder a
sua liberdade ou recuperá-la. Por outras palavras, o próprio direito admitia
que algumas pessoas podiam ou deviam ser consideradas propriedade de outra
pessoa, a qual podia dispor livremente delas; o escravo podia ser vendido e
comprado, cedido e adquirido como se fosse uma mercadoria qualquer.
Hoje, na
sequência de uma evolução positiva da consciência da humanidade, a
escravatura – delito de lesa humanidade 64 – foi formalmente abolida no
mundo. O direito de cada pessoa não ser mantida em estado de escravidão ou
servidão foi reconhecido, no direito internacional, como norma inderrogável.
Mas, apesar
de a comunidade internacional ter adotado numerosos acordos para pôr termo à
escravatura em todas as suas formas e ter lançado diversas estratégias para
combater este fenómeno, ainda hoje milhões de pessoas – crianças, homens e mulheres
de todas as idades – são privadas da liberdade e constrangidas a viver em
condições semelhantes às da escravatura.
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Penso
em tantos trabalhadores e trabalhadoras, mesmo menores, escravizados nos
mais diversos sectores, a nível formal e informal, desde o trabalho
doméstico ao trabalho agrícola, da indústria manufatureira à mineração,
tanto nos países onde a legislação do trabalho não está conforme às normas
e padrões mínimos internacionais, como – ainda que ilegalmente – naqueles
cuja legislação protege o trabalhador.
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Penso também
nas condições de vida de muitos migrantes que, ao longo do seu trajeto
dramático, padecem a fome, são privados da liberdade, despojados dos seus
bens ou abusados física e sexualmente. Penso em tantos deles que, chegados ao
destino depois duma viagem duríssima e dominada pelo medo e a insegurança,
ficam detidos em condições às vezes desumanas.
Penso em
tantos deles que diversas circunstâncias sociais, políticas e económicas
impelem a passar à clandestinidade, e naqueles que, para permanecer na
legalidade, aceitam viver e trabalhar em condições indignas, especialmente
quando as legislações nacionais criam ou permitem uma dependência estrutural
do trabalhador migrante em relação ao dador de trabalho como, por exemplo,
condicionando a legalidade da estadia ao contrato de trabalho... Sim! Penso
no «trabalho escravo».
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Penso nas pessoas obrigadas a prostituírem-se,
entre as quais se contam muitos menores, e nas escravas e escravos sexuais;
nas mulheres forçadas a casar-se, quer as que são vendidas para casamento
quer as que são deixadas em sucessão a um familiar por morte do marido, sem
que tenham o direito de dar ou não o próprio consentimento.
Não
posso deixar de pensar em quantos, menores e adultos, são
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objeto de
tráfico e comercialização para remoção de órgãos, para ser recrutados como
soldados, para servir de pedintes, para atividades ilegais como a produção ou
venda de drogas, ou para formas disfarçadas de adoção internacional.
Penso,
enfim, em todos aqueles que são raptados e mantidos em cativeiro por grupos
terroristas, servindo aos seus objetivos como combatentes ou, especialmente
no que diz respeito às meninas e mulheres, como escravas sexuais. Muitos
deles desaparecem, alguns são vendidos várias vezes, torturados, mutilados ou
mortos.
(Continua no próximo número)
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