Momentos importantes do Concílio Vaticano II - Entrevista com Mons. Vitaliano Mattioli
Estamos comemorando os 50 anos do Concílio Vaticano II e nos perguntamos: como é que esse evento foi vivido pela geração que o presenciou?
Mons. Vitaliano era seminarista
em Roma naquele então. ZENIT o entrevistou para que nos contasse em primeira
pessoa a sua experiência desse grande evento que marcou profundamente a história
da Igreja contemporânea.
Mons. Vitaliano Mattioli, nasceu
em Roma, Itália, em 1938 e realizou estudos clássicos, filosóficos e jurídicos.
Foi professor na Universidade Urbaniana e na Escola Clássica Apollinaire de Roma
e Redator da revista "Palestra del Clero". Atualmente é missionário Fidei Donum
na diocese de Crato, no Brasil.
***
ZENIT: Mons. Vitaliano, poderia contar-nos um pouco da sua experiência do
Concílio Vaticano II?
MONS. VITALIANO: 25 de janeiro de
1959, festa da Conversão de São Paulo. João XXIII celebrou durante a manhã na
Basílica de São Paulo (Roma) uma missa solene encerrando a Oitava de oração pela
unidade dos cristãos. Mas desta vez, no fim da Missa o papa não saiu
imediatamente, como de costume, para retornar ao Vaticano. Eu estava presente na
celebração e não queria voltar para o Seminário sem ver o Papa. A espera foi
longa. Não entendíamos o motivo. Fomos saber ligando a Rádio Vaticano e
escutando a notícia de que o Papa depois da Missa Solene, tinha ido para uma
sala do Mosteiro para comunicar aos Cardeais presentes a vontade de convocar um
novo Concílio: o Vaticano II. A alegria que experimentei, como os outros
seminaristas, foi grande. Naquele tempo estudava na faculdade de filosofia e
depois de teologia na Universidade Lateranense. Aqueles três anos de preparação
conciliar foram intensos. Lembro-me das várias tendências especialmente da
dogmática e da bíblia que surgiam nas diversas Pontifícias Universidades
romanas.
ZENIT: E como é que foi a abertura?
MONS. VITALIANO: 11 de outubro de
1962. Dia da abertura solene. Foi um momento de grande emoção eclesial. Na
Basílica de São Pedro toda a Igreja estava reunida: Papa, Cardeais, Bispos,
peritos conciliares. Através das muitas câmeras, os olhos de todo o mundo
estavam focados na Basílica transformada em Sala Conciliar. No entanto, uma
tristeza nublou o esplendor daquele dia: não estavam presentes vários Bispos e
Cardeais da China e da União Soviética e países sujeitos a ela, pois ou estavam
presos ou as Autoridades não tinham dado o visto de viagem para Roma; também
estava ausente (veio mais tarde) a delegação da Igreja Ortodoxa
Russa.
ZENIT: O que mais lhe surpreendeu nesse concílio?
MONS. VITALIANO: Participar no
Concílio foi uma grande graça. Uma coisa importante, que em certo sentido me
surpreendeu, foi a grande liberdade com a qual os Bispos puderam falar;
liberdade, por vezes, ousada. Mas que mostra o grande respeito que a Igreja tem.
Depois da proclamação do dogma da infalibilidade papal ( Concílio Vaticano I,
1870) alguns pensaram que a Igreja tinha fechado a boca do episcopado. E, ao
contrário, isso não só não aconteceu, como aumentou, com o livre debate, a
possibilidade do desenvolvimento do dogma. Esta liberdade de expressão
impressionou muito, especialmente as Delegações das várias Igrejas Ortodoxas.
Sendo a primeira vez que puderam participar de um debate conciliar, ficaram
impressionados com esta liberdade de expressão que existe dentro da Igreja
Católica. Foi um bom passo em favor do ecumenismo.
ZENIT: E a morte de João XXIII?
MONS. VITALIANO: Dias muito cheios
de emoção foram aqueles da morte de João XXIII. De acordo com o Código de
Direito Canônico, na morte do Papa o Concílio foi suspenso. Depende do sucessor
a continuação ou não. Mas já os trabalhos conciliares estavam começados e não
era oportuno interrompê-los. Com a sua grande sabedoria, o novo Papa, Paulo VI
expressou o desejo de continuar. Era uma decisão um pouco óbvia mas todos
ficamos muito felizes.
ZENIT: O que mais lhe chamou a atenção?
MONS. VITALIANO: Dois grandes
acontecimentos, fora do Concílio, mas inseridos naquele contexto, chamaram a
minha atenção: a viagem de Paulo VI à Terra Santa (janeiro de 1964) e outro às
Nações Unidas em Nova York (outubro de 1965).
Falavam que o Papa exportava o
Concílio. Era a primeira vez, depois de São Pedro, que um sucessor seu voltava à
Terra Santa. A curiosidade era sobre o que Paulo VI diria nos vários discursos,
sendo a situação política muito complexa e a Santa Sé ainda não tinha relações
diplomáticas completas com o Estado de Israel. Fiquei sabendo em seguida que
alguns discursos foram ‘retocados’ no dia anterior de serem lidos, porque era
prudente modificar algumas expressões. Mas foi um sucesso. A Igreja saiu
fortificada e as distâncias ficaram menores.
No Palácio de cristal das Nações
Unidas o problema era maior: um Papa convidado oficialmente pelo Secretário
Geral U Thant, tinha que falar para os Poderosos do Mundo, muitos não-católicos,
alguns hostis à Igreja e contra a religião. O mesmo Paulo VI em uma entrevista
mais tarde, falou confidencialmente que teve um pouco de medo. Em seu retorno
todos os Bispos esperavam o Papa na Basílica (do aeroporto, foi direto para a
Basílica). Lembro-me de que também este foi um momento muito emocionante. Os
aplausos cobriram completamente o canto "Tu es Petrus".
ZENIT: E como foi o encerramento do Concílio?
MONS. VITALIANO: Emocionantes foram
os momentos em que se assinaram a maioria dos Documentos discutidos; para
alguns, até o último momento, não se tinha a certeza de se seriam aprovados ou
não.
Para mim, o ponto mais alto da
emoção foi a vigília de encerramento, no dia 7 de dezembro de 1965. Ao mesmo
tempo, Paulo VI, na Basílica de São Pedro e o Patriarca Atenágoras na igreja
patriarcal do Fanar em Constantinopla revogaram a excomunhão dada naquele triste
16 de julho de 1054 pelo Papa de então, Leão IX e pelo Patriarca de
Constantinopla, Miguel Cerulário.
Finalmente, depois de quase 900
anos, estas excomunhões eram revogadas e a distância entre as duas Igrejas,
muito diminuídas. Na Basílica uma grande emoção invadiu as mentes de todos os
presentes.
Aqui termina as lembranças. O resto
é história.
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