O
papa Francisco convocou o esperado Sínodo sobre os “Desafios Pastorais da
Família no Contexto da Evangelização”. O instrumento de trabalho, com 27
páginas, resultou de ampla e corajosa consulta às bases da Igreja em todo o
mundo, e está circulando no site do Vaticano em sete idiomas. É uma síntese
extensa das respostas ao questionário enviado às bases da Igreja no final de
2013. O Movimento Familiar Cristão e outros organismos dos leigos brasileiros
responderam com liberdade e sem restrições às 39 perguntas dessa consulta, com
respostas enviadas à Nunciatura e à CNBB.
Sínodo cria
expectativas inéditas
Helio
Amorim
Assim,
nas próximas semanas aportarão no Vaticano centenas de cardeais, bispos,
teólogos e observadores leigos para um debate amplo das doutrinas e normas
eclesiásticas sobre casamento, família, educação dos filhos, incluindo
corajosamente questões nevrálgicas: divórcio e novo casamento, barreiras à
participação de recasados na eucaristia, casamentos informais, uniões afetivas
entre pessoas do mesmo sexo e outras realidades nesse campo, sempre a partir
de uma conceituação mais humana do matrimônio no mundo
moderno.
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O
conceito cada vez mais difundido, mas ainda não acolhido pela Igreja, pode ser
assim resumido: o casamento é um sacramento divino por ser a união de um homem e
uma mulher que assumem sua relação de amor tomando como modelo a relação amorosa
de Deus com todos os homens e mulheres: amor fiel, gratuito, responsável,
construtivo, comprometido com o bem do outro. A ruptura desse vínculo referido
ao amor de Deus pode decorrer de uma deterioração irreversível desse amor, que
pode passar ao desamor ou a uma relação doentia de ódio e desprezo mútuo,
deixando de ser portanto um sinal do amor de Deus, porque se transformou no seu
oposto.
Assim,
não subsiste esse matrimônio como sacramento. Uma segunda união pode vir a
existir e consolidar-se com base numa nova e talvez mais madura relação de amor,
mais verdadeira e adulta, referida efetivamente à relação com Deus, portanto,
sacramento. Assim deve ser acolhido pela Igreja, como acolhido será pela família
e seus amigos. Perde qualquer sentido a proibição de comungar, o que se
configura como violência espiritual contra o novo casamento, como se fora o
único pecado sem perdão. Os divorciados ouvirão mas não acolherão palavras
bondosas do sacerdote, orientando à “comunhão espiritual” esperando consolar o
excomungado para que suporte esse sacrifício.
Com a ajuda das ciências
humanas e da pesquisa teológica, a Igreja vai revendo e reformulando essas
concepções e interpretações da vontade de Deus, ainda ancoradas no passado,
revisando suas doutrinas, reformulando seus ensinamentos, modificando suas
práticas, revogando proibições e punições - e pedindo perdão, como fez João
Paulo II no início do seu papado. Em suma, submetendo-se à inspiração divina
sempre presente mas à qual tantas vezes a Igreja terá se fechado, ao longo dos
tempos. Essa constatação deveria induzir a mais humildade dos formuladores das
doutrinas e normas canônicas ou pastorais, e maior abertura à novidade que surge
dos estudos dos teólogos e às interpelações dos cristãos leigos adultos que as
questionam. É desses confrontos fraternos e construtivos que lentamente emerge a
verdade, purifica-se a doutrina, humaniza-se a Igreja.
Frente a esses
questionamentos, a reação da autoridade religiosa, em qualquer nível, ainda no
passado recente, tem sido a ameaça de condenação, os expurgos, proibições de
ensinar ou mesmo de falar em espaços controlados pela Igreja - nunca a análise
franca e desarmada de argumentos e proposições inovadoras. Na verdade, deve-se
reconhecer o muito que tem mudado nas doutrinas e práticas da Igreja, não apenas
nas grandes mudanças ocorridas ao longo de séculos, mas nos tempos de uma vida.
Os mais idosos vão se recordar das normas e disciplinas que lhes eram impostas e
ensinadas em sua adolescência e juventude, nos excelentes colégios católicos que
frequentaram - e que não sobreviveram a duas gerações.
Assim, permaneceremos
abertos ao muito que seguirá mudando nos próximos anos e décadas, permitindo-nos
relativizar as "certezas" que hoje se impõem. É claro que, como antes afirmado,
tudo o que se refere ao amor e à justiça, à humanização e à esperança cristã, à
caridade e à solidariedade humana, permanecerá como essência da mensagem
evangélica. O resto é dinâmico e evolutivo, criações humanas sob influxo da
cultura, entendimentos provisórios, sujeitos a revisões em vista do avanço das
ciências e da reflexão teológica que nenhum autoritarismo
impedirá.
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