Como dizia, me chama muito a atenção, nessas declarações de prelados de primeira fila, o modo de lidar – ou, melhor, de não lidar - com a realidade. Acima de tudo, deve-se negar a realidade problemática: quer se fale de homofobia ou de mulher, o mais importante parece ser “desqualificar” o interlocutor. Ou negar que exista uma realidade que deve ser abordada ou reduzir essa realidade a uma caricatura. Assim, pode-se dizer, totalmente sem controle, que a homofobia é “uma invenção marxista”, ou que a mulher “pretende um poder e reivindica um direito que não lhe diz respeito”.
Esse modo de pensar e de prover é uma
pesada herança do antimodernismo. Depende de opções culturais e eclesiais que restringem sua perspectiva e seu porte. Ou seja, é afetado pela suspeita em relação a tudo o que é moderno e que “alteraria” as formas históricas de exercício da autoridade e do poder. Todas as formas de “emancipação” – da escravidão ou da doença, da marginalização ou da irrelevância – tendem a ser lidas, nessa perspectiva, de modo simplista como “desobediências” ou como “insubordinações”.
A incompreensão do princípio da liberdade e o fácil recurso a um “princípio de autoridade” totalizante constituem o coração de uma reação, tão visceral quanto pouco meditada. Assim, em vez de defender a tradição cristã, acaba-se defendendo apenas sua tradução em formas culturais certamente eficazes antigamente, mas agora velhas, unilaterais e inadequadas.
Nenhum debate, apenas obediência
Se esse é o horizonte que cerca as recentes reações consideradas – e que não se identifica em nada com o estilo da Igreja pós-conciliar –, sua recaída inevitável é a solução proposta, que evita o debate e que se refugia na “obediência à autoridade”. O silêncio se torna a única alternativa. Tal pretensão, que já havia marcado a Ordinatio sacerdotalis em 1994, e que agora é repetida, embora em um nível de autoridade certamente menor, é o sinal de uma grande dificuldade.
A Igreja Católica parece não saber se defrontar de modo equilibrado com a tradição do Evangelho e da experiência das pessoas. A esse propósito, é preciso recordar o que a GS 46 disse de modo inesquecível: “O Concílio dirige agora a atenção de todos, à luz do Evangelho e da experiência humana, para algumas necessidades mais urgentes do nosso tempo, que profundamente afetam a humanidade”.
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